Psicólogo jequieense Cássio Nery fala sobre Terapia, Pandemia, Suicídio entre outros assuntos. Clique e saiba mais.

17/09/2021

JN: Quem é Cássio Nery?

Cássio: Difícil essa! Mas se pudesse resumir, diria que sou um sujeito que já fez muitas escolhas na vida, algumas que deram certo e outras não, que acreditou por muito tempo que ser “uma metamorfose ambulante” seria algo singular, bacana, mas o fato é que todas elas me serviram de experiência para chegar a este lugar que me encontro hoje, um lugar de movimento, muito melhor que antes. 
Parece um paradoxo, mas é isso mesmo; cheguei a um lugar de movimento e não pretendo parar, enquanto tiver saúde mental! O meu caminho tem sido através da análise pessoal, mas cada sujeito deve encontrar o próprio.
Ser “uma metamorfose ambulante” é diferente de ser um sujeito em movimento, “desejante”, em construção, que está sempre em busca dos seus objetivos, apesar das contingências da vida. Veja que o primeiro já espera uma mudança, pois isso já era previamente determinado, e ela virá. Enquanto o segundo sujeito busca, se responsabiliza, corre atrás! 
Então Cassio Nery hoje é este sujeito que depois de algum tempo de análise “perdeu as esperanças”, no sentido de que deixou de esperar, e começou a buscar, a ir ao encontro do próprio desejo, sem culpar ou responsabilizar terceiros pelas escolhas que tem feito na vida, tanto as de antes, como as de agora.

 

JN: Hoje em dia qual área da psicóloga que você tem maior atuação?

Cássio: Graduado em Psicologia, com Pós-graduação em Psicopatologia Psicanalítica, pela Unigrad em Vitória da Conquista, integrante dos Núcleos de Psicose e de Toxicomania e Alcoolismo, do IPB-Instituto de Psicanálise da Bahia, que é vinculado à EBP-Escola Brasileira de Psicanálise, sigo o desejo pela psicanálise, apreendendo sobre a sua ética e os ensinamentos dos psicanalistas Freud e Lacan, entre outros contemporâneos, com o intuito de poder contribuir cada vez mais para uma melhoria na qualidade de vida daqueles que nos procuram em busca de um acolhimento, uma escuta, uma atenção.
Diante dessa escolha pela psicanálise como tratamento para os meus pacientes, desde a graduação que optei por atuar somente na Clínica psicanalítica, atendendo idosos, adultos e crianças(a partir dos 5 anos) caso a caso, um a um.

 

JN: Embora o tema terapia hoje em dia tenha ganhado maior penetração na sociedade, ainda existe um certo preconceito tanto para as pessoas se disponibilizarem ao tratamento quanto até mesmo falarem sobre o assunto. Porque você acha que ainda exista essa situação?


Cássio: Interessante você tocar nesse assunto. Como em diversas outras áreas, sempre haverá resistências, e na nossa não é diferente. A pergunta já tem um pouco da resposta, então, realmente tem aumentado a procura por profissionais da área Psi, desde muito antes da pandemia, porém, falar sobre o próprio sofrimento é “caro”, doloroso, e para muitos sujeitos isso acarreta tanto em negar que necessita de ajuda, quanto evitar falar sobre o tratamento, mesmo aqueles que estão em terapia ou análise. Agora imagine um sujeito em sofrimento, confuso, que nem ele mesmo sabe o motivo de se sentir da maneira que sente, e ainda ter que pagar a um estranho para que lhe escute, sendo que os valores nem são tão baixos.  
Por sua vez, grande parte destes sujeitos que evitam ou não conseguem buscar ajuda, internalizam sofrimentos, sentimentos de angústia, que vão se acumulando, e adoecendo aquele que ao invés de falar, colocar pra fora, guarda e carrega consigo determinada dor, a qual muitas vezes “somatiza”, se torna uma dor física afetando partes do corpo e até causando outras patologias.
Sabemos também houve um aumento no número de pessoas que estão tomando medicamentos psiquiátricos, sejam acompanhadas por um psiquiatra ou que usam por conta própria, o que nos causa mais preocupação. Esse fato inclusive, em minha opinião, tem influenciado no efeito calar, oposto ao efeito falar. Digo isso por que os medicamentos psiquiátricos têm grande importância no tratamento de pessoas em sofrimento mental, no entanto, devem ser administrados com cautela, ética e cuidado.
Não estou aqui descartando o uso da medicação no tratamento de pacientes psiquiátricos ou outros que venham a necessitar dos mesmos, até por que eles são os estabilizadores de alguns sintomas, para que consigam fazer a terapia/análise, mas sim, deixando um alerta às pessoas que procuram este tipo de tratamento, sem um acompanhamento ético e especializado, pois em grande parte dos pacientes que procuram um tratamento medicamentoso, antes de tentar um psicólogo ou psicanalista, geralmente não nos procuram durante algum tempo, visto que o sintoma foi calado (medicado), calando assim o sujeito, com uma ilusão de ter resolvido sua questão, esta, que mais pra frente, reaparece, trazendo novamente a angústia, o desejo de colocar pra fora, de falar.

 

JN: Uma pergunta simples e direta: todo mundo precisa de terapia?

Cássio: Simples e diretamente, em minha opinião, NÃO!
Terapia ou análise é para aqueles que estão em sofrimento mental e/ou incapacitados de resolver suas questões sem uma ajuda profissional. Nem é toda terapia que ajuda, assim como não é toda análise que vai lhe trazer a vida dos sonhos, e, ainda existe a questão da identificação com o terapeuta, ou transferência, no caso da psicanálise. 
Mas uma coisa se pode afirmar: quem tiver o desejo de mudança e já buscou ajuda de diversas maneiras, e ainda sim continua insatisfeito com a maneira que vem vivendo, deveria tentar falar com um destes profissionais. No entanto, que fique bastante claro; a maior ajuda virá do próprio sujeito e seu o próprio desejo de sair de determinado lugar de sofrimento, pois não existe terapeuta, psiquiatra nem psicanalista que tenha vivido a experiência daquele que procura ajuda. E é a partir dessa experiência com a linguagem, que iniciamos o tratamento; escutando o paciente falar sobre as suas dores.

 

JN: Estamos no mês Setembro Amarelo, o qual se faz referência a prevenção ao suicídio. Qual a importância dessa ação anual diante dos casos que vem crescendo no país?

Cássio: É uma campanha que apoiamos, mas preferimos menos alarme e mais escuta. Mais atenção aos pedidos de socorro, que surgem diariamente... Então, a campanha talvez traga mais mortes, que evita.
Ano passado em Jequié, nesta época, foram pelo menos 5 casos noticiados nós blogs, sites e redes sociais. Então fica a questão... Talvez, deveríamos falar sobre fala e escuta, reunir profissionais nesta época do ano e fazer conferências de saúde mental nos municípios, esse tipo de atitude.
Enfim, acho válida a campanha, mas acredito que o foco deveria ser outro. Além de ter o apoio de todas as esferas das autoridades responsáveis pela administração pública.
O alerta, o alarme, muitas vezes toca onde não deveria, e muitos sujeitos se apoiam nessa oportunidade e se sentem mais motivados a cometer o ato.

 

JN: A Pandemia além das tantas mortes trouxe também sequelas psicológicas em relação as perdas dos entes queridos, pelo confinamento e traumas variados. Como você indicaria reagir a essa tragédia no contexto mental?

Cássio: Perfeita a sua colocação. Realmente esta Pandemia, trouxe, e ainda tem trazido muita dor aos sujeitos e seus familiares, além de muitas sequelas tanto físicas, quanto psicológicas. 
Indicar, talvez fosse algo que eu não conseguiria fazer aqui, visto que cada sujeito tem reagido singularmente às mudanças de hábitos desde a chegada do vírus. Entretanto, creio que uma boa maneira de reagir a tudo isso, no caso daqueles sujeitos que foram de alguma maneira, mais afetados, e que permanecem em sofrimento, seja por qual for o motivo, seria enfrentando a realidade, conversando com pessoas mais próximas, familiares e falando sobre os sentimentos e suas perdas, ao invés de mais isolamento, além de buscar ajuda de profissionais especializados na área da saúde mental, como psiquiatras, psicólogos e psicanalistas, para que estes possam, em parceria ou não, contribuir para a uma melhoria na qualidade de vida dos que os procuram. 
E desta maneira vamos acolhendo àqueles que buscam por ajuda em nosso consultório, os, escutando caso a caso, um a um, em seu sofrimento, com ética, paciência e sem julgamentos. Pois, cada um deles, por mais que tenham as perdas e sequelas parecidas (os sintomas), são sujeitos únicos, singulares, e tiveram as suas próprias “reações”; estas sim, que afetaram a cada um de uma maneira.