O grande Prof. Emerson Pinto de Araújo fala sobre sociedade, política e projetos futuros.

19/04/2016

JN: Estando a dez anos de tornar-se um homem centenário, o que falar sobre a vida? A vida, no dizer do poeta, "é como os rios: um eterno passar, um eterno ficar". A sabedoria consiste em deixar levar pela correnteza os dissabores, as decepções, as ingratidões e tudo mais que, em determinado momento, nos causa tristeza e frustrações, abrindo cicatrizes no corpo e na alma. Ficam as alegrias, o convívio com os amigos, as boas ações e o que fizemos de bom pela comunidade. Viver muito e com saúde é bom, é muito bom. Melhor ainda é fazer algo de útil que sirva para o amanhã e para as futuras gerações. Foi o que procurei fazer na minha longa existência e continuo fazendo nos anos que ainda me restam de vida. O importante é abrir janelas para o futuro. Ninguém pode permanecer parado num mundo em mudança, sob pena de ficar parado no meio da estrada, quando tudo avança em sua frente. Ninguém pode repetir hoje: o que foi bom para mim será bom para meu filho, a não ser que volte as costas para o dinamismo social e as mudanças impostas pelo avanço da ciência, da economia, da cultura e da tecnologia, resguardados os princípios da ética e da moral. O jovem que não quiser mudar o mundo já envelheceu para vida e, principalmente se levar em conta que ele, no desabrochar da mocidade, anseia por mudar o mundo, sem os defeitos que adquirimos no decorrer da existência. Ser idoso não significa ser velho. O velho para no tempo, vive das recordações do passado, volta as costas para as mudanças impostas pelo avanço civilizatório em todas as suas nuances, já o idoso, se prepara para absorver as reformas impostas pelo perpassar dos anos. A vida não deve ser como uma âncora que impede o deslocamento do barco, mas como a veia que o conduz à enseada bendita. JN: No mês de outubro deste ano o senhor vai lançar em Jequié mais uma obra literária. Fale um pouco desse trabalho. Durante minha existência publiquei três livros sobre a História de Jequié, em consonância com outros tantos opúsculos, estudos e artigos sobre o mesmo tema, divulgados em jornais e revistas, de Jequié e até mesmo do Sul do País. Foram fruto de longas e pacientes pesquisas no Arquivo Público do Estado, na Biblioteca Central da Bahia, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, no Gabinete Português de Leitura e em redações de antigos de jornais da capital. No município de Jequié encontrei muito pouca coisa, já que a grande enchente de 1914 destruiu a farta documentação existente. Parti praticamente do nada, abrindo mão dos direitos autorais, dos livros sobre o município, cujos exemplares foram distribuídos de graça. Quando lecionava História Geral e do Brasil, notei que o alunado estava a par de acontecimentos ligados ao Helenismo, ao Império Romano, às Invasões Bárbaras e a tantas outras ocorrências de um passado distante. Não obstante, ignorava por completo a formação do município, a saga do banditismo regional e os nomes dos desbravadores, dos intendentes, prefeitos e figuras ilustres do passado. Assumi, então, o compromisso comigo mesmo de escrever a história de Jequié. Quando estudante na capital do Estado, fui responsável pela coluna especializada em jogo de xadrez (Um hobby da juventude), no Diário de Notícias, órgão dos Diários e Rádios Associadas. Posteriormente, durante dois anos, fui responsável pela coluna especializada em educação do jornal "A Tarde". Após a apresentação de vários estudos sobre História, educação, política e assuntos cotidianos, pretendo fazer uma triagem de cerca das seiscentas crônicas, algumas delas perdidas, divulgadas no decorrer da existência, reunindo quarenta ou cinquenta num livro que deve ter como título "O Barro e o Sonho”. Pretendo, assim, revelar para os meus leitores, o meu lado de cronista, ofuscado pelos estudos sérios publicados em vida. JN: O senhor já participou da política jequieense atuando como vereador na década de 1950. Hoje em dia, ainda acompanha o cenário político da cidade? E a política nacional.... Como avalia este momento tão conturbado? Com a morte de meu pai, no início de 1945, interrompi meus estudos na capital e vim para Jequié, onde juntamente com meus irmãos Newton e Waldeck, ambos médicos e ocupados no atendimento de seus clientes, ocupei a maior parte do meu tempo nas providências referentes à dissolução da firma comercial, encaminhamento do inventário e sua partilha entre os herdeiros. Solteiro, no verdor dos anos, fui me engajando em vários tipos de clubes, associações e entidades diversas, participando de movimentos populares, como "O Petróleo é Nosso", que desaguou na fundação da "Petrobrás", orgulho dos brasileiros, hoje transformada na caverna de Ali Babá. E assim fui ficando na Cidade Sol, participando do viver do seu povo e dos anseios da comunidade. Ingressei na política partidária, após a queda do chamado Estado Novo, batalhando na redemocratização do país. Secretário da prefeitura, vereador mais votado na cidade, presidente da Câmara Municipal, instalei-a no antigo prédio do Instituto de Pecuária da Bahia, onde funciona até hoje, após viver várias reformas. Insta salientar que naquela época, vereador, trabalhava de graça e a Câmara só dispunha de quatro funcionários para atender 13 vereadores. Tudo funcionava com regularidade e as sessões do Legislativo eram assistidas por boa parte da população, mesmo funcionando à noite, já que, durante o dia, os vereadores estavam entregues ao seu trabalho, para assegurar a sua subsistência. Ao deixar a presidência, fui homenageado por todas as correntes partidárias, que me ofereceram um busto de Rui Barbosa, que guardo com todo respeito. Milton Rabelo, no seu Livro de memória "Narrativa de uma Existência", páginas 104 e 105, afirma que o governador Juraci Magalhães, ao visitar Jequié para inauguração de obras, declarou no seu discurso que a Câmara de Vereadores de Jequié possuía uma representação melhor que a Assembleia Legislativa do Estado. A política partidária me ofereceu vitórias e derrotas, alegrias e tristezas. Deixai-a após constatar que a sinceridade em externar minha opinião, sempre de acordo com o que realmente sentia interiormente, desagradava amigos e correligionários. Faltava-me o jogo de cintura para seguir adiante. Deixei a política partidária, embora continue político no sentido grego, no sentido aristotélico da palavra. O que me deixa assustado é a onda de violência que se alastra pelo mundo. Lés a lés, com a escalada da roubalheira e da corrupção que se apossam do Brasil. A corrupção sempre existiu em nosso país. Era a exceção, já que, e em troca, brasileiros ilustres ocupavam cargos públicos e eletivos. De alguns anos para cá, o número de corruptos cresceu tanto que a exceção ficou maior do que a regra. À semelhança dos séculos VI, XVI e XVIII, vivemos uma época em que os valores se desfazem, se chocam e se formam, faltando o caráter estável em que as instituições se consolidam. O pensador católico Alceu do Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) já afirmava, décadas atrás, que vivemos uma época em que as ruínas se confundem com os andaimes, produzindo a instabilidade, as tensões, a inquietação, a angústia e a hipersensibilidade. Vivemos um ciclo de revoluções em andamento. Fazê-las em tempo, segundo o velho Nestor Duarte, evita que se transformem e se votem à obra do desespero. A história, nos seus múltiplos exemplos, tem demonstrado que as opiniões são temporais, que as sociedades se desagregam, uma vez cumprindo seu destino, e que as doutrinas se renovam ou desaparecem. O que, com algumas restrições, foi aceito por João XXIII nas suas encíclicas ,“Mater et Magistra” e “Pacem In Terris”. Oxalá que os estadistas responsáveis pelo destino da humanidade encontrem o caminho certo, sem abrir mão dos princípios pétreos da ética e da moral, evitando que, no dizer de alguém debaixo do verniz da civilização não sobreviva o homem da caverna.