Entre outros assuntos, Domingos Ailton faz duras críticas a Secretaria de Cultura de Jequié.
17/08/2011
JN: Domingos, recentemente o romance de sua autoria Anésia Cauaçu teve destaque no Jornal A Tarde e em outras mídias, inclusive numa editora nacional. Fale um pouco desta obra, de como surgiu a vontade de falar sobre essa cangaceira.
Domingos: Anésia Cauaçu é um romance histórico que tem como protagonista uma mulher que esteve à frente do seu tempo. Anésia foi a primeira mulher no sertão baiano (de Jequié) a ingressar no cangaço, a liderar um bando de cangaceiros, a praticar montaria de frente já que as mulheres de sua época montavam de lado, em uma sela denominada silhão, e a vestir calças compridas (as mulheres do período em que ela viveu apenas usavam vestidos e saias) nos momentos de combate. Isso facilitava o enfrentamento de jagunços dos coronéis e das tropas policiais. Ela também foi a primeira mulher branca a lutar capoeira, antencedendo mulheres como Maria Bonita, Dadá e Lídia no cangaço.
Este romance nasceu de um desafio feito pelo amigo e confrade da Academia da Letras de Jequié, o historiador Émerson Pinto de Araújo, que em seu livro Capítulos da História de Jequié afirmou que Anésia Cauaçu necessitava ser relembrada e reapreciada e que isso era um desafio para os estudiosos e ficcionistas da atual e futura geração. Anésia tem uma dimensão tão grande que não cabe apenas nos estudos sociológicos. Por isso resolvi escrever romance, que é baseado em fatos reais, mas tem muito do imaginário individual e coletivo. A ficção tem este poder de representar o imaginário.
JN: Como um multiartista, de que maneira hoje em dia você enxerga a Cultura Jequieense, principalmente pelo prisma do apoio cultural por parte dos governantes da cidade?
Domingos: Jequié não tem políticas culturais. Embora tenha uma Secretaria de Cultura, não tem políticas definidas para a literatura, o teatro, a música, a dança, as manifestações da cultura popular dentre outras. No ano passado o secretário Robério Chaves negou apoio para realização do Encontro Regional de Ternos de Reis e então não foi realizado.
Com o intuito de lançar o romance Anésia Cauaçu, encaminhei ofício para o secretário de Cultura, Robério Chaves, com três orçamentos de gráficas de Jequié no início do mês de julho de 2011. Estive na Secretaria por três vezes e o secretário disse que não poderia responder porque estava envolvido com prestação de contas do São João. Na quarta vez, afirmou que teria que ter um parecer da Secretaria Municipal de Comunicação e da empresa Ideia 3, agência responsável pela publicidade da Prefeitura. Disse a ele que não se tratava de uma revista ou um jornal, mas de um livro, um romance ficcional como o mesmo poderia ver no ofício. Na quinta vez, Roberio disse que teria que ter um parecer da Secretaria Municipal de Educação, já que poderia não ser de interesse dessa Secretaria a tal publicação, portanto, a Secretaria de Cultura não iria apoiar o livro. Falei que Anésia Cauaçu é romance histórico e o mesmo, como mestre em Memória Social e Documento, poderia compreender melhor do que outras pessoas. O secretário se mostrou muito áspero comigo, o que estranhei, uma vez que sempre o tratei bem. Mas, mesmo assim, encaminhei ofícios tanto para Secretaria Municipal de Educação quanto para o prefeito Luiz Amaral se reportando a solicitação que fiz a Secretaria de Cultura.
Até o momento não recebi nenhum ofício do secretário informando que foi solicitada dispensa de licitação. Toda vez que alguém me envia um ofício solicitando alguma coisa, encaminho um ofício respondendo a pessoa. Será que a Secretaria de Cultura não poderia avaliar a obra? Um jogo de empurra não é um desrespeito ao artista? Tratar uma pessoa de maneira áspera não é tratá-la mau?
Depois que o secretário viu a repercussão que teve a reportagem do jornal A Tarde (para homenagear o dia do escritor, 25 de julho, fui escolhido dentre todos os escritores baianos, com uma ampla matéria sobre minha produção literária e o romance Anésia Cauaçu), informou através da imprensa que encaminhou um pedido de dispensa para que uma gráfica local imprimisse 500 livros. Mas, nesse mesmo comunicado, me trata como “dito escritor”. Quanto fato de eu ser ou não escritor é o povo quem vai julgar se minha produção literária tem qualidade ou não para que eu seja considerado escritor. Acredito que ele não conheça a produção artística dos escritores e artistas jequieenses, uma vez que do contrário não falaria bobagem, mas a história é dinâmica. Uma produção literária que tem qualidade permanece por várias e várias gerações.
No próximo dia 8 de outubro estarei na Livraria Saraiva do Shopping Salvador para lançar o meu livro Figuras Típicas e Religiosidade Popular de Jequié e proferir a palestra Tradição Oral e Literatura Regional. Quanto aos ocupantes de cargos: isso é passageiro, mesmo para aqueles que se acham donos do poder e do dinheiro público. Estou encaminhando uma solicitação a Câmara de Vereadores no sentido que seja realizada uma Sessão Especial para discutir a Cultura em Jequié. Não adianta o legislativo municipal incluir mais recursos para o setor cultural se não houver políticas culturais sérias.
JN: Você sempre foi um defensor ferrenho da revitalização do Rio das Contas. Em sua opinião, o que realmente seria eficaz contra a sua poluição atual?
Domingos: Políticas públicas sérias de barrar essa ocupação desordenada das áreas de preservação do Rio das Contas, de organizar a retirada de areia, uma vez que a extração é feita de maneira desordenada, de destinar recursos para tratamento dos esgotos e para educação a fim de sensibilizar populares para que não lancem lixo, animais mortos e entulhos nas margens do rio. Isso deve envolver os governos, principalmente municipal e estadual e a sociedade civil organizada. O GERC pretende realizar um seminário em outubro onde discutirá esse assunto.
Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho é Membro-fundador da Academia de Letras de Jequié- ALJ. Licenciado em Letras, especialista em Literatura e Ensino da Literatura pela UESB e mestre em Memória Social em Documento da Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO. Jornalista, editor da Revista Cotoxó, diretor regional do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia – SINJORBA e membro da Rede Brasileira e da Rede Latino-Americana de Jornalismo Ambiental. Foi um dos fundadores do Grupo Ecológico Rio das Contas – GERC e representante das entidades ambientalistas do Nordeste brasileiro no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Professor Visitante da UNEB (2006-2010) e autor de diversos trabalhos científicos publicados em anais de congressos como da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC e do 52ª Congresso Internacional de Americanistas, realizado em Sevilha na Espanha. Presidiu o Centro dos Estudantes Universitários e Secundaristas, o Grêmio Estudantil Dinaelza Coqueiro do Instituto de Educação Régis Pacheco – IERP e o Grupo Ecológico Rio das Contas – GERC. Consultor e instrutor do Sebrae para as áreas de Gestão Ambiental e Desenvolvimento Setorial (Turismo e Cultura).
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