Deficiente visual, Joselito Souza se torna advogado mesmo diante de todas as adversidades.

31/07/2014

JN: Conte um pouco para nós a sua história, e todas as provações para se tornar um advogado, diante da sua deficiência visual. Joselito: Aos 13 anos de idade descobrir que estava perdendo a visão - na época cursava a quinta série do ensino fundamental no IERP. Eu era um estudante comum, sentava do meio para o fundo sala, entretanto, a partir da metade do ano de 1992 já estava sentado na primeira fileira, porém, não conseguia mais visualizar a escrita na lousa. Após exames oftalmológicos, fui informado que possuía uma degeneração na retina, devido a uma hereditariedade; fiz todos os exames disponíveis na década de noventa e, todas as informações eram da possibilidade da perda continua da visão; por esse motivo fui obrigado a sair da escola, pois ela não ofereceu nenhuma possiblidade de continuar os estudos. Em 2000 conheci a AJECE (Associação Jequieense de Cegos), aprendi o Braille, orientação e mobilidade (uso da bengala) e depois desse período, ou seja, em 2002, retornei à escola, conclui o Ensino Fundamental no colégio Professor Brito e o Médio no Colégio Modelo, ambos em Jequié. Em 2008 obtive a primeira aprovação em uma faculdade pública, no curso de letras da UNEB; em 2009, fui aprovado em direito em três universidades públicas, quais sejam, UESC, UNEB de Camaçari além da UESB (Vitória da Conquista) . Devido às boas informações a respeito do curso de Direito da UESB, optei por essa universidade, porém quando cheguei ao campus de Vitória da Conquista não havia nenhum tipo de recurso para pessoas com deficiência, em especial para deficientes visuais. No curso de Pedagogia também tinha uma colega com a mesma deficiência que a minha e só uma pedagoga para nos atender, sendo que nessa época a universidade não tinha se quer um espaço próprio para esse tipo de atendimento; o mesmo era realizado na videoteca (espaço conjugado à biblioteca da UESB, onde ficava o acervo de áudio e vídeo). A partir de então, lutamos por alguns materiais elementares para realização de nosso atendimento, tais como: notebook, scanner, gravadores e até mesmo o espaço adequado. As dificuldades encontradas foram bem similares àquelas existentes durante os ensinos Fundamental e Médio, desde a linguagem usada pelos professores em sala, para descrever os filmes, os slides, as anotações feitas no quadro, dentre outras inadequações. Mas, posteriormente, com a criação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão para Pessoas com Deficiência (Naipd) pela UESB, tive o apoio necessário a continuação e conclusão do curso. JN: Conseguir ser bacharel em direito já é uma vitória, passar nas fases da OAB é ainda mais glorioso. O que passou por sua cabeça quando soube que se tornou um advogado? Joselito: Passar no exame nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é o maior objetivo da maioria dos estudantes de direito, e no meu caso não foi diferente. A maratona é similar àquela enfrentada por todo estudante na época do vestibular; temos que estudar bastante, além de encarar outro cursinho. Portanto, saber que havia superado mais essa fase da minha carreira profissional, foi um alívio, embora não esperasse resutado diverso, uma vez que segui todos os passos necessários para alcançar esse fim. JN: E o futuro, o que projeta para ele? Joselito: Sei que o futuro é desafiador, tão quanto foram todas as etapas para chegar até aqui, todavia, acredito em um Cristo mais que vencedor, que me ajudou a superar tantas barreiras. Tenho certeza que ele continuará comigo, nos escritórios que pretendo começar em Conquista e Jequié... Por outro lado, tenho uma família que sempre acreditou em mim, amigos valorosos que estiveram e estão sempre ao meu lado além de profissionais maravilhosos como os da AJECE e do Núcleo de Inclusão da UESB, assim, o futuro se mostra promissor. JN: Qual é a maior dificuldade que você classificaria para um deficiente visual nos dias de hoje? Joselito: Nos dias atuais, as dificuldades não são apenas para os deficientes visuais, mas sim, para todos aqueles que possuem mobilidade reduzida de forma temporária ou definitiva, os idosos e as demais pessoas com deficiência. Os obstáculos são vários, passando por calçadas esburacadas, carros em cima dos passeios, poucas pessoas que sabem se comunicar através da Língua Brasileira de Sinais (Libras), falta de capacitação dos profissionais que atuam na área da educação, dentre outros problemas enfrentados por quem apresenta algum tipo de deficiência. Muito já foi feito, mas a inclusão de forma plena só acontecerá com a participação de todos, desde o Poder Público até cada um dos membros de nossa sociedade. JN: Agora como advogado, você acha que será mais fácil reivindicar os seus direitos tão esquecidos em nossa sociedade? Joselito: Uma formação acadêmica oportuniza a efetivação dos nossos direitos enquanto cidadão significa a superação principalmente do preconceito existente em nossa sociedade, pois ainda se acredita que uma pessoa com deficiência, é um ser incapaz. A lei tem procurado garantir condições básicas para que as pessoas com deficiência possam ter uma vida próxima da normalidade, entretanto, ainda estamos longe de alcançar tais avanços. Porém, sei que agora de posse da oportunidade de assinar qualquer ação judicial em favor das pessoas com deficiência, não tenha dúvidas que essa batalha ganhou uma arma poderosa, pois este soldado já fazia parte desse exército. Agradeço em primeiro lugar a Cristo, a toda equipe AJECE, aos familiares, a UESB e todos que contribuíram para esse sucesso.