Como os protestos vão impactar o processo de impeachment?

14/03/2016

As manifestações antigoverno voltaram com força neste domingo reunindo centenas de milhares de pessoas em dezenas de cidades pelo país. O forte crescimento dos protestos, embalados por uma série de notícias negativas para a administração Dilma Rousseff nas últimas três semanas, deixam a presidente ainda mais fragilizada diante do processo de impeachment, afirmam analistas políticos ouvidos pela BBC Brasil. Em meio a esse cenário, a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um ministro de peso do governo pode ser uma importante cartada para tentar salvar o governo petista – mas é um movimento que embute grandes riscos também, acreditam. Segundo estimativa do Instituto Datafolha, 500 mil pessoas foram à Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo, mais do dobro do que em março de 2015. Crescimento semelhante foi estimado pela Polícia Militar em Brasília, que calculou 100 mil na Esplanada de Ministério ontem, contra 45 mil há um ano atrás. Os protestos foram marcados principalmente pelas críticas a Lula, Dilma e PT – mas políticos de oposição que compareceram às manifestação também foram hostilizados, caso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Marta Suplicy (PMDB-SP). Já em Brasília, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) foi ovacionado e carregado por centenas de manifestantes quando o protesto já terminava. Mas a grande estrela, sem dúvida, foi o juiz Sergio Moro, alçado a herói nacional. Mas qual será o impacto disso tudo para o futuro da presidente Dilma Rousseff? A BBC Brasil traz abaixo a análise de cinco especialistas: Rafael Cortez, da Consultoria Tendências O cientista político Rafael Cortez, da Consultoria Tendências, considera que a forte adesão às manifestações desse domingo são mais um elemento que aumenta o isolamento de Dilma. Hoje, ele calcula que há 55% de chance de o impeachment ser aprovado no Congresso. Na sua avaliação, esse processo começou três semanas atrás, com a prisão do publicitário do PT João Santana pela operação Lava Jato. De lá para cá, vieram à tona trechos de um suposto depoimento do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) com graves acusações de que a presidente e seu antecessor tinham conhecimento do esquema de corrupção na Petrobras e teriam tentado intervir na Justiça. Para completar, o próprio Lula foi alvo de uma ação da PF e de um pedido de prisão pelo Ministério Público de São Paulo. Tudo isso, nota ele, culminou numa aproximação entre PMDB e PSDB na última semana. Inclusive, o partido do vice-presidente Michel Temer definiu neste sábado prazo de 30 dias para decidir se deixa o governo. "A união das lideranças do PSDB (em torno da ideia de impeachment) e um apoio importante do PMDB (a esse processo) mostram o outro patamar que o debate do impeachment atingiu. E aí os protestos reforçam esse movimento que a elite política vem fazendo", nota Cortez. Na sua avaliação, a continuidade da Lava Jato traz uma limitação para a nomeação de Lula como ministro, mas ainda assim pode ser uma saída para rearticular a base de apoio ao governo. "O Planalto precisa de um choque político, e a única ação mais forte que me parece disponível é a presença do Lula no ministério". "A rejeição a Lula já é extremamente elevada entre os apoiadores do impeachment, assumindo ou não um cargo de ministro. Eventualmente, a presença dele pode servir para mobilizar o governismo que hoje é minoritário e desarticulado porque a Dilma não tem uma liderança relevante mesmo dentro de seus apoiadores", acrescentou. Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP Ortellado tem acompanhado as manifestações in loco. Ele contou à BBC Brasil que, devido à multidão, demorou 2 horas para conseguir chegar em casa de metrô, trajeto que normalmente leva 14 minutos. Ele observa que, apesar do crescimento do protesto, o perfil social dos manifestantes continua o mesmo – classe média alta paulistana, branca, com elevada escolaridade. Mas isso não deve limitar seu impacto no sentindo de tornar a permanência de Dilma ainda mais complicada. "Foi o maior protesto que já presenciei", contou. "Confirma esse cenário de crise. As forças político-institucionais vão se sentir respaldadas, legitimadas, para continuar na tentativa de remoção da presidente", acredita. Apesar de o governo estar extremamente fragilizado, ele acredita que Dilma não tornará Lula um superministro. "Talvez ele seja a única saída do governo Dilma. Muita gente no PT espera por isso, uma nomeação do Lula para ele assumir de fato o governo. Mas isso é altamente improvável, porque Dilma dificilmente cederia o poder", afirmou. "Ela tem essa característica psicológica de enfrentar a pressão. E acho que ele vai reagir da mesma maneira. Vai tentar conduzir o barco até o final do seu mandato", acrescentou. Jairo Nicolau - cientista político e professor da UFRJ "Provavelmente nós nunca tivemos tanta gente na rua no Brasil num mesmo dia, pela mesma causa. É muito expressivo, dá força a uma onda que começa a se fortalecer de afastamento da presidente", acredita o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ. Ele nota que na passagem de 2015 para 2016, a ideia do impeachment parecia ter perdido força. No entanto, uma série de fatores reacendeu esse debate. "Havia arrefecido, mas semanas depois a gente vê essa mudança do cenário político e o que estava faltando era o apoio popular para dar consequência ao processo de impeachment". "Porque somado às denúncias, que não param de chegar, a gente tem o movimento da elite política, claramente um movimento do PMDB que não deixa de ser uma afastamento, um cartão amarelo (para o governo)", afirma. Sobre a possível nomeação de Lula como ministro, Nicolau acredita que talvez a ideia tenha chegado tarde demais. "O Lula é um grande operador político, pode facilitar muito a negociação com o Congresso, reconfigurar o ministério, tem contatos internacionais, tem o apoio dos movimentos sociais – viraria uma espécie primeiro-ministro. Mas a questão é se agora isso afeta substancialmente a natureza do governo". "É uma jogada de grande risco porque se o governo afunda, também afunda a réstia de possibilidade de (o PT) ter um candidato competitivo em 2018. Será melhor se preservar e esperar 2018? É um jogo complexo para todos os jogadores. E tem um jogador que é o mais imprevisível, a Lava Jato", notou. Geraldo Tadeu Monteiro - cientista político e professor da Uerj O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Uerj, acredita que "a partir de agora, com os últimos desdobramentos e a pressão das manifestações, o processo de impeachment tende a ser muito acelerado". Ele nota que não só a base parlamentar do governo está cada vez menor, como "os empresários estão muito descontentes e também grande parte da sociedade, mesmo que polarizada e dividida". "A base de apoio da presidente hoje se restringiu à CUT, MST e ala moderada do PT, e a opinião pública está cada vez mais crítica", acrescenta. Na sua visão, a tendência é que o PMDB deixe o governo – no sábado, a Convenção Nacional do partido definiu prazo de 30 dias para ser tomada uma decisão sobre isso. "Vemos que a movimentação das elites atualmente, as grandes lideranças políticas e econômicas, já é de discutir um cenário pós-Dilma. Não se sabe como o governo deve acabar. A renúncia é pouco provável, o impeachment é um processo doloroso, e o semiparlamentarismo tende a ser rejeitado pela população, mas o fato é que as elites já dão o fim do governo Dilma como certo", observou. Monteiro não acredita que as manifestações pró-governo convocadas para dia 18 trarão numa reação forte aos protestos de domingo. "Quem vai sair às ruas para defender um governo acusado diariamente de corrupção e em meio à uma severa crise econômica? Por mais que alguns possam se surpreender caso o impeachment se concretize, poucas pessoas são capazes de esboçar qualquer reação de defesa do governo neste momento", afirma. Wagner Iglecias – sociólogo e professor da USP Para o sociólogo sociólogo Wagner Iglecias, professor da USP, os protestos de domingo colocam uma "uma pressão enorme" sobre a Dilma. "A presidente precisará se posicionar sobre as ruas porque é impossível ignorar o que está acontecendo", notou. Ele nota, porém, uma grande diferença entre os protestos de agora e os que pediram a saída do ex-presidente Fernando Collor em 1992. "A diferença fundamental é que naquele momento, nos anos 90, o presidente Fernando Collor estava totalmente isolado, porque ali sim as manifestações eram realmente suprapartidárias. Um rol muito grande de forças políticas foram às ruas pedir a saída dele". Iglesias observa que, apesar do governo mal avaliado, Dilma ainda tem uma base de apoio relevante. "O que vemos é mais ou menos metade do sistema partidário brasileiro se aproximando dos movimentos para pedir a saída dela, mas tem uma outra parte do sistema que não está empunhando as mesmas bandeiras. Eu tenho impressão que lá atrás nos anos 90 você tinha uma série de movimentos sociais de direita e esquerda, vários partidos, PT, PSDB, pedindo a saída dele. Hoje é diferente, embora o número de pessoas nas ruas talvez seja ainda maior". BBC Brasil / Colaboraram Jefferson Puff, da BBC Brasil no Rio de Janeiro, e Néli Pereira, da BBC Brasil em São Paulo.