Sociólogo Fábio Mansano dá uma aula sobre política. Vale conferir!

25/07/2008

O professor Fábio Mansano de Mello é natural de Pederneiras (SP); sociólogo, com mestrado em ciências sociais, ministra as disciplinas sociologia e ciência política na UESB de Jequié. Professor efetivo desde 2006. Coordena nessa universidade o grupo de estudos “Educação e Trabalho” e o projeto de extensão “A dimensão política do educador popular”. JN: Muitas pessoas têm aversão à política por causa da forma dissimulada que ela foi tratada ao longo dos tempos pelos políticos corruptos. Seria interessante o senhor comentar brevemente sobre o significado da palavra política e de como ela está inserida em nossas vidas e muitas vezes não percebemos, para talvez, mudar a opinião de tantos que não gostam nem de escutar este vocábulo. Mansano: O termo Política tem sua raiz no adjetivo originado de polis, ou seja, tudo aquilo que é relacionado à cidade, à vida urbana. O conceito se expandiu e ganhou novas dimensões a partir da obra do filósofo Aristóteles, denominada Política, onde o pensador tratava de assuntos como o papel e a divisão do Estado e as várias formas de Governo possíveis. Com o passar do tempo o conceito foi substituído por ciência política, filosofia política, etc., tendo sempre como pano de fundo a análise do Estado. No entanto, quando tratamos de política, na atualidade, reportamo-nos exclusivamente à esfera partidária; temos dificuldades para compreender que a política perpassa toda a esfera da vida social, significa a própria construção da sociedade, mas ainda assim expressões como “política não se discute” ou então “desde que o mundo é mundo as coisas são assim, não vai mudar” são frequentemente ouvidas. É importante ressaltar a história política de nosso país, para não corrermos o risco de elaborarmos análises simplistas; tivemos mais de três séculos de período colonial, grandes decisões políticas tomadas sem a participação popular, uma industrialização tardia, vinte anos de ditadura militar, todos esses fenômenos contribuem para uma leitura parcial sobre a importância da política. Isso sem contar com a influência do coronelismo como forma de estruturar o poder político em nosso país. Se não bastasse esse cenário, temos ainda a questão da corrupção e da impunidade, que faz com que as pessoas não acreditem nas instituições. Precisamos olhar por outro lado, refletirmos que nossa participação na comunidade é fundamental, que existem políticos sérios e comprometidos e que a mudança desse quadro social é possível. JN: “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável.” ROUSSEAU, Jean Jacques. É demasiadamente ousado criticar um grande pensador, mas como o senhor avalia esta celebre frase quando se sabe que a sociedade não é nada mais que o conjunto de “homens”? Mansano: Precisamos entender o contexto dessa afirmação; Rousseau, assim como Hobbes, Locke, entre outros, pertencem a um grupo de pensadores chamados de contratualistas, que idealizam a organização do Estado a partir de um pacto social celebrado entre os homens. No caso exposto, o filósofo está explanando sobre a natureza humana e como as relações sociais se consolidam, uma vez afirmando que no contrato social os homens perdem a liberdade natural em troca da liberdade civil. Mas essa discussão nos remete à natureza do poder político, e Nicolau Maquiavel traz importantes reflexões sobre o assunto. Segundo o ilustre florentino, o poder tem uma origem mundana, e os homens buscam durante suas vidas a obtenção da honra, riqueza e glória, que seriam alcançadas por aqueles que possuíssem virtù, ou seja, as qualidades para a manutenção do poder. Ainda que afirmasse o jogo de interesses entre os homens, nota-se em sua obra que “o mundo da política não leva ao céu, mas sua ausência é o pior dos infernos”. Ressaltemos a importância de uma consciência política, do confronto das ideologias e do engajamento dos indivíduos em sua comunidade, porque agindo assim estaremos não só fazendo política, mas exercendo e fortalecendo a cidadania. E a discussão sobre cidadania explicita muito bem essa relação dialética que ora afirma que os homens fazem a história sob determinadas condições (Marx) ou que a sociedade molda os indivíduos através da consciência coletiva (Durkheim). JN: O sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse após alguns anos de eleito que as pessoas poderiam rasgar tudo o que ele havia escrito, e o Lula também depois de alguns anos no poder, mesmo não se referindo à obra escrita, mas à sua postura no governo, falou que ele havia mudado e não era o mesmo de eleições passadas. O exemplo de dois presidentes de partidos sempre com diferenças políticas pode mostrar que a semelhança entre eles é a histórica luta para a manutenção do poder eterno, mesmo que ela seja disfarçada? Mansano: Essa frase foi atribuída ao ex-presidente FHC e circula até hoje como forma de protesto contra um intelectual que pensou o Brasil de uma forma e governou de outra. No entanto, segundo o próprio Fernando Henrique, a suposta frase jamais foi dita por ele. O sociólogo alemão Max Weber, na sua obra “Ciência e Política: duas vocações”, nos dá pistas importantes para pensarmos a relação entre o intelectual e o político; segundo ele, o cientista tem sua atividade voltada à descoberta da verdade, à compreensão da realidade social, ao passo que ao político está reservada as atividades de estruturação do poder, uma vez que Weber compreende o Estado a partir de uma relação de dominação de homens sobre homens. Isso explicaria a mudança de posturas por parte de governos, uma vez que as representações políticas precisam dar conta das transformações evidenciadas na sociedade. Essa discussão toma outro rumo quando utilizamos o referencial do materialismo histórico, proposto por Karl Marx; segundo ele, o Estado moderno é a representação das classes dominantes, e a democracia não é um bem universal e sim um instrumento de poder da política burguesa, que mascara os interesses distintos das classes sociais. Mais ainda, para Marx não se separa o intelectual do político, pois para ele é preciso pensar a práxis social, a ação transformadora: “Os filósofos interpretaram o mundo. Agora é necessário transformá-lo”. Por isso o conceito de revolução é fundamental para o autor, pois sem ela, assistiríamos uma política que privilegiaria as elites em detrimento da classe trabalhadora. JN: Finalizando, o senhor acha o povo brasileiro tem atualmente uma posição crítica maior que em anos anteriores quando o assunto é eleição para governantes? Mansano: A sociedade está farta de corrupção, impunidade, violência física e simbólica, escândalos e outras mazelas que assolam nosso país. No entanto, penso que precisamos participar mais ativamente da nossa política; vivenciamos uma crise econômica que é mundial, reflexo de um modo de produção excludente e perverso, que é o capitalismo. Mas também vivemos uma crise de valores, de paradigmas, onde muitas vezes nos escondemos dos problemas que aí estão, e só nos preocupamos quando os mesmos batem à nossa porta. É preciso pensar o coletivo, com o coletivo, para o coletivo. Não basta votar no candidato, é preciso compreender que estamos delegando poderes às autoridades para que as mesmas nos representem, representem um projeto de sociedade e não interesses próprios, egoístas e limitados. Para que tenhamos uma posição crítica precisamos de autonomia, ou seja, necessitamos de trabalho digno, acesso à educação pública de qualidade, saúde pública de qualidade, acesso à cultura e ao lazer, condições para que a cidadania não seja um mero conceito e sim uma realidade. Estamos longe do ideal, mas tenho a convicção de que o povo brasileiro está identificando cada vez mais os “lobos que se vestem com a pele de cordeiro”.