Qualidade da água que abastece Jequié: Prof. Dr. Sérgio Luiz Sonoda fala sobre os resultados de seus estudos.

28/02/2019

JN: Hoje em dia quais fontes fluviais abastecem a cidade?

Prof. Dr. Sérgio Sonoda: O município de Jequié faz a captação da água para abastecimento urbano em dois rios: Rio de Contas (na Barragem da Pedra) e Rio Preto do Criciúma (na Barragem do Criciúma ou do Cajueiro, como é conhecida popularmente).

 

JN: Recentemente foram realizados estudos sob a qualidade da água que abastece o município de Jequié. Conte um pouco sobre esse trabalho e a iniciativa em praticá-lo.

Prof. Dr. Sérgio Sonoda: Nas represas citadas acima venho desenvolvendo pesquisas na área da limnologia - originalmente era ciência que estuda os lagos e depois ampliou-se para outros ambientes aquáticos continentais como rios e represas - com ênfase na estrutura da comunidade zooplanctônica. Zooplâncton é um termo utilizado para os animais que vivem na coluna da água, mas que apresentam uma capacidade de locomoção limitada e não conseguem vencer a correnteza das águas e, por isso vivem à deriva nos ambientes aquáticos. Assim, ambientes aquáticos como lagos e represas, por apresentarem águas lênticas (paradas ou com pouca correnteza) são locais que favorecem este tipo de organismos. O zooplâncton de água doce apresenta em sua composição organismos de pequeno tamanho que variam desde microscópicos protozoários até organismos que apresentam alguns poucos milímetros como os microcrustáceos (cladóceros, que são conhecidos como pulga d´água, e copépodes). Um exemplo didático e famoso da televisão é o Plâncton, personagem do desenho Bob Esponja.

Nestes ambientes, realizamos coleta de água para análise de alguns parâmetros físicos e químicos para conhecermos a qualidade dela (como temperatura, pH, oxigênio dissolvido, condutividade elétrica entre outros) e também coletamos o zooplâncton para análise em laboratório, utilizando lupas e microscópios para a sua identificação. É um trabalho que se divide em uma parte que envolve excursões e saídas para visitar e coletar material nas represas e rios (que nós chamamos de trabalho de campo) e nas análises de laboratório (tanto na análise química da água quanto com a análise do material biológico). Com estes dados, passamos depois para uma análise matemática e estatística deles e para sua interpretação (aí é estudo e leitura de trabalhos científicos…).

“Mas, por que zooplâncton?”, você poderia estar me perguntando… Um motivo é para produção de conhecimento científico. Precisamos conhecer quais as espécies deste grupo ocorrem na região e assim compararmos com outros ambientes estudados no Brasil e no mundo e divulgar esses dados para a comunidade científica por meio da publicação de artigos científicos e participação em congressos e eventos científicos. Um outro motivo é que esse conhecimento pode ter uma aplicação prática ou aplicada na questão do gerenciamento do recurso hídrico: estes organismos respondem às mudanças que possam a vir a ocorrer na qualidade da água destes ambientes. Assim, estes podem ser utilizados como indicadores biológicos (ou bioindicadores) da qualidade da água. Se a qualidade da água muda, as espécies de zooplâncton podem responder a esta mudança. Outro motivo é pessoal: quando criança acompanhava meu pai em suas pescarias e quando jovem tinha como paixão a aquariofilia: tinha vários aquários e criava diferentes espécies de peixes de água doce. Sempre tive uma paixão por rios, lagos e represas. O que me levou a fazer biologia.

 

JN: A Cidade Sol sempre foi reconhecida pela boa qualidade de sua água. Essa pesquisa comprova essa boa fama?
Prof. Dr. Sérgio Sonoda: A agua que é tratada e servida para nossas residências particularmente não tenho o que reclamar. Aliás, as empresas que realizam o tratamento e distribuição da água devem apresentar dados sobre a qualidade da água que estas fornecem. Se vocês notarem, na conta da água aparece uma tabela com dados da qualidade da água servida e os valores permitidos pela legislação. O que acontece muitas vezes é que sentimos diferença no gosto da água que abastece Jequié e isto ocorre pelo fato de que a captação da água ocorre em dois reservatórios com características físicas e químicas distintas: a Barragem do Rio Preto do Criciúma ou do Cajueiro (que está localizada na região da mata e abastece o Bairro Jequiezinho) e a Barragem da Pedra (localizada na região mais árida e que serve a outra parte do município de Jequié). Quem mora nos locais onde a água tratada e distribuída tem origem na Barragem da Pedra (como no centro e no Curral Novo) costuma dizer que a água é mais “pesada” quando comparada com a água tratada servida no Bairro Jequiezinho, que vem do Cajueiro (aliás, é onde eu moro).

Essa diferença na qualidade da água das represas citadas é algo que nossas pesquisas demonstram. A água da Barragem da Pedra apresenta uma maior concentração de sais, o que reflete na condutividade elétrica da água, pois quanto maior a concentração de sais, maior a condutividade elétrica da água. A alcalinidade total também é alta nessa barragem, variando de 40 a 82 mg de carbonato de cálcio por litro. Já a barragem do Cajueiro, esta apresenta uma baixa condutividade elétrica e baixa alcalinidade.

Os dados das pesquisas mostram que a qualidade da água dos reservatórios que abastecem Jequié tem uma qualidade relativamente boa. Atualmente, uns dos problemas que acontecem com esse tipo de ambiente é a eutrofização artificial. A eutrofização é um processo natural que ocorre nos ambientes aquáticos (rios, lagos e represas). Esses ambientes funcionam como um sistema acumulador de “informações”, pois recebem da sua bacia de drenagem material e nutrientes que acabam sendo transportados para a água. A questão é que as atividades humanas aceleram esse processo, alterando a ocupação do entorno desses ambientes (por exemplo, desmatando as matas e substituindo por pastagens, agricultura e pela urbanização) o que contribui com um aumento da entrada de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo (presente nos adubos químicos e no esgoto produzido por nossas residências), e esse aumento pode causar um crescimento de plantas aquáticas, tanto microscópicas (chamada de fitoplâncton) quanto de macrófitas aquáticas, como a baronesa e dependendo desse aumento pode ter consequências negativas para o ecossistema e que pode refletir na qualidade da água utilizada para o tratamento.

Para acompanhar esse processo, utilizamos um índice para quantificá-lo, conhecido como Índice de Estado Trófico (IET). Este classifica o ambiente de forma progressiva variando de oligotrófico (ambiente com menos nutrientes e baixa produção de fitoplâncton e plantas aquáticas) para mesotrófico e deste para eutrófico e hipereutrófico (ambientes com alta concentração de nutrientes e grande produção de biomassa de algas e plantas). Nossas pesquisas mostram que tanto a Barragem da Pedra quanto a do Cajueiro vem apresentando um IET entre oligotrófico e mesotrófico. Isso mostra que as águas destes ambientes estão com boa qualidade, mas que precisamos continuar com este tipo de pesquisa, pois a pressão humana nestes ambientes vem aumentando, e isso pode alterar esse quadro.

Um outro ponto que gostaria de salientar é que em nossa cidade há também uma percepção que somos bem servido em termos de quantidade de água o que passa uma sensação que esta não falta. Temos que ter ciência que vivemos em uma região de transição para o semiárido e temos que utilizar a água de maneira mais racional possível e isso envolve mudança de comportamento da população e políticas públicas e da iniciativa privada buscando um uso mais sustentável da água.

 

JN: Falando um pouco sobre o Rio das Contas, existe algum estudo que indique o quantitativo de poluição do rio? Indo um pouco mais além, seria possível e viável economicamente o seu tratamento e despoluição?

Prof. Dr. Sérgio Sonoda: Os projetos de pesquisas abordaram principalmente as represas da Pedra (no rio de Contas) e da Barragem do Criciúma ou Cajueiro (Rio Preto do Criciúma) e, como relatei anteriormente, estes se encontram em um estado como oligotrófico (na maioria das vezes) e mesotrófico. Não tenho desenvolvido trabalhos de coletas sistemáticas no Rio de Contas, embora realize coletas com os alunos de Biologia da UESB como uma atividade de ensino prática.

Por outro lado, o INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado da Bahia) realiza um monitoramento da qualidade da água do Rio de Contas e que nos mostra alguns resultados preocupantes, principalmente na nossa região. O INEMA realiza e divulga os dados sobre o IET de três pontos da nossa cidade: após a Barragem da Pedra (CON-CON500), na ponte do Mandacaru (CON-CON550) e no Rio Jequiezinho (CON-JQZ100). Por ocasião dessa entrevista, analisei dados de 24 amostragens desse monitoramento (8 amostragens em cada um desses pontos) sendo que:

  • 8 apresentaram qualidade entre ultraoligotrófico e oligotrófico;

  • 3 mesotrófico;

  • 13 foram acimas de eutrófico (sendo 4 eutrófico, 2 supereutrófico e 7 hipereutrófico).

Esse alto grau de eutrofização do Rio de Contas reflete em algo que muitos de nós percebemos ao observarmos o rio: a grande quantidade de baronesas e outras plantas aquáticas que se desenvolvem ao longo do rio quando este atravessa a nossa cidade. Aquilo que expliquei anteriormente: quando maior a entrada de nutrientes, maior a produção de biomassa de plantas aquáticas.

Quanto ao processo de despoluição e tratamento isso é possível sim, pois temos exemplos de recuperação de rios em outros países e também aqui no Brasil. O caso mais conhecido é o do rio Tâmisa na Inglaterra. No Brasil, podemos citar o Rio Jundiaí e o Rio Sorocaba no Estado de São Paulo e ações de despoluição vêm acontecendo no Rio Tietê. Um dos grandes problemas a ser enfrentado em Jequié (diria que não só da nossa região) é a questão da entrada de poluentes orgânicos provenientes dos nossos esgotos domésticos. Infelizmente, no Brasil cerca de 45% da população não possui coleta e tratamento de esgotos, sendo que boa parte desse vai parar em córregos e rios. Em Jequié há a coleta e tratamento de esgoto, mas não é 100%… E ainda ocorre muitas ligações de esgotos que vão para a rede de águas pluviais (águas de chuva) e mesmo direto para o Rio de Contas ou em seus afluentes (como o caso do Rio Jequiezinho). Essa entrada de esgotos domésticos que contribuem para o grau de eutrofização do Rio de Contas.

Mas, não é só olhando para os rios que vamos solucionar o problema. Precisamos cuidar do seu entorno e da sua área de captação…. Planejar melhor o processo de urbanização das cidades, que muitas vezes crescem ocupando as margens de rios e riachos, como é o exemplo de Jequié. Por ser uma cidade localizada parte no semiárido, acabamos ocupando vales de rios temporários (que correm apenas na época de chuvas) de forma desordenada e muitas vezes acabamos utilizando-os como corpo receptor de esgoto. Além disso, precisamos ter ações e propostas para aumentar as áreas verdes da cidade (praças e parques), que atuam como áreas de absorção da água da chuva e recarga de água para o solo e lençol freático. Isso porque um dos grandes impactos da urbanização é a impermeabilização do solo.

Eu me lembro bem quando me mudei para Jequié em 2000, havia entre a UESB e o aeroporto um sítio que tinha uma lagoa nele e onde eu realiza com os alunos umas coletas de plâncton lá…. Essa área foi loteada e o solo impermeabilizado e não se previu o planejamento de espaços públicos livres como praças nesse loteamento. Ou seja, uma área que servia de local para armazenamento de água de chuva deixou de existir… E agora, na área para onde escorre a água da chuva desse loteamento há sempre alagamentos (no muro do aeroporto). Outro exemplo desse tipo de situação está ocorrendo entre o São Judas e a Avenida César Borges, onde uma área de brejo que antes existia pequenas lagoas (e que tinha como serviço ambiental a retenção das águas das chuvas) passou a ser aterrada para empreendimentos.

Para isso, é importante um plano diretor que aponte para ações nesse sentido e políticas públicas. Envolver a iniciativa privada. Isso na região urbana. Quanto a zona rural, há iniciativas em outros estados e municípios que incentivam produtores rurais a recuperar as nascentes e matas ciliares. Reduzir o desmatamento e se possível, desmatamento zero… Práticas agrícolas que busquem uma maior sustentabilidade ambiental…. Sem contar que não há uma unidade de conservação na nossa região. E mudança no nosso comportamento: educação.

 

JN: A grande bacia hidrográfica da Barragem da Pedra ficou prejudicada - ao menos visualmente, com a água turva - de um tempo pra cá por conta de construções de pontes para a Rodovia Oeste Leste. Há conhecimento sobre a qualidade da água nesse local hoje em dia?

Prof. Dr. Sérgio Sonoda: Com relação a água da Barragem da Pedra, o que você relata aparece nos dados das nossas pesquisas. Realizamos uma análise bem simples, mas que nos fornece muita informação, utilizando um disco de metal branco (chamado de disco de Secchi) amarrado em uma corda. Com esse equipamento realizamos uma medida da transparência da água (simplesmente vamos afundando esse disco na água até que não conseguimos mais visualizá-lo e registramos essa profundidade). Em um trabalho nosso realizado em 2003 esta medida variou de 0,40 a 0,80 metros na época de chuva (janeiro de 2003), quando ocorre maior entrada de sedimentos na represa, o que consequentemente diminui a transparência da água. Na época de seca (julho de 2003) este variou de 2,0 a 3,70 metros. Nessa época, a Barragem da Pedra sempre apresentava águas mais claras durante o período de seca e mais turva na chuva.

Entre 2013 e 2014 realizamos novas campanhas para outra pesquisa e nesse período, registramos uma variação na transparência da água de 0,15 a 0,65 metros, não ocorrendo mais a fase de águas mais claras no período de seca. Assim notamos mudanças na qualidade da água principalmente quanto a turbidez e na quantidade de material em suspensão na água e estas mudanças vem refletindo na comunidade de organismos que estudamos, o zooplâncton. Isso coincide com o início das obras da FIOL (conforme informações obtidas na reportagem publicada por vocês)

Mas, temos que notar também que a construção da ferrovia, não é a única atividade na bacia de drenagem da Barragem da Pedra. Tivemos também o início da implantação da mineradora em Porto Alegre (distrito de Maracás, localizado à montante da barragem) bem como um aumento na ocupação das margens da Barragem da Pedra. Como eu disse antes, as represas funcionam para nós, pesquisadores, como um local de armazenamento das “informações”…. As atividades que vão acontecendo no entorno da represa e na sua bacia de drenagem de certa forma acabam refletindo na qualidade da água e, consequentemente na sua biota. E dependendo dos impactos, comprometer o uso dessa água para o abastecimento de água para nossa cidade e de outras localidades que utilizam dessa barragem.

Infelizmente as coletas na Barragem da Pedra estão suspensas, mas pretendo recomeçar ainda este ano. Essa é uma dificuldade nossa nos projetos de pesquisa em ecologia: a manutenção do desenvolvimento das pesquisas por um período longo, realizando pesquisas de longa duração em determinados ecossistemas, para que possamos ter uma base de dados mais consistentes e acompanhar as mudanças ou não nesses ambientes.

Gostaria de agradecer a oportunidade oferecida por vocês de abrir esse espaço para falar sobre essas pesquisas que envolvem os nossos rios e barragens. Quando falo em mudança de comportamento por meio da educação, envolve também trabalhar mais na nossa formação científica das pessoas e aqui tive essa oportunidade de trazer e comentar esses dados de nossos artigos para um público mais amplo e variado.

Estes são alguns dos trabalhos científicos resultantes dos projetos de pesquisa sob minha coordenação:

Santos, Josiane Souza. “Distribuição espacial e variação temporal da assembleia de microcrustáceos em um reservatório no semiárido brasileiro”. Dissertação (Mestrado em Sistemas Aquáticos Tropicais) - Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, 2016.

Santos, Josiane Souza, Nadson Ressyé Simões, Sérgio Luiz Sonoda. “Spatial distribution and temporal variation of microcrustaceans assembly (Cladocera and Copepoda) in different compartments of a reservoir in the brazilian semiarid region”. Acta Limnologica Brasiliensia 30 (2018). https://doi.org/10.1590/s2179-975x9616.

Silva, Alan Cleber Santos da. “Estrutura da comunidade zooplanctônica (Copepoda e Cladocera) e o grau de eutrofização na Barragem do Rio Criciúma, Jequié, Bahia, Brasil.” Trabalho de Conclusão do Curso De Bacharelado em Ciências Biológicas - UESB/Jequié. Jequié, 2017.

Simões, Nadson Ressye, e Sérgio Luiz Sonoda. “Estrutura da assembléia de microcrustáceos (Cladocera e Copepoda) em um reservatório do semi-árido Neotropical, Barragem de Pedra, Estado da Bahia, Brasil”. Acta Scientiarum. Biological Sciences 23, no 1 (2009): 89–95.