Bahia ocupa o 3º lugar entre os estados com mais conflitos no campo

23/01/2024

A Bahia tem a maior população quilombola e a segunda maior população indígena do Brasil, mas é o terceiro estado que mais pratica violência contra esses povos. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2022, foram 211 conflitos de campo ocorridos no interior da Bahia, atrás apenas do Maranhão (225) e do Pará (236). Os números de 2023 ainda não foram concluídos, mas o primero semestre já apontou crescimento desse tipo de violência em todo o país.

O caso mais recente aconteceu no território Caramuru, no município de Potiraguá, no Sul da Bahia, no domingo (21). A indígena Maria de Fátima Muniz de Andrade, a Nega Pataxó, foi assassinada durante um conflito de fazendeiros para retomar o território. O irmão dela, cacique Nailton Muniz, foi baleado e passou por cirurgia no Hospital Cristo Redentor, em Itapetinga. Outros sete indígenas ficaram feridos.

Dos 211 conflitos no campo registrados na Bahia, 156 foram provocados por disputas de terra e mais 22 por ocupações ou retomadas, como aconteceu em Potiraguá, no fim de semana. Houve um conflito por acampamento, nove por trabalho análogo à escravidão e 23 por disputa de água. O presidente da comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Eduardo Rodrigues, explicou.

"É uma região [Sul e Extremo Sul] com um número elevado de conflitos, então, essa situação não é inédita e nem singular na Bahia. Hoje, os conflitos rurais com comunidades tradicionais ocupam grande capítulo da violência que ocorre no interior da Bahia. Temos situações como essa em todo o estado. Houve aumento de casos nos último cinco anos", afirmou.

Os dados do CPT mostram uma escalada na violência no campo em todo o país desde 2014, intensificada depois da pandemia. No ano passado, foram registrados 973 conflitos, representando um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022, quando foram registrados 900 ocorrências. Este dado fez o primeiro semestre de 2023 fica em 2º lugar entre os mais violentos nos últimos 10 anos, sendo superado apenas pelo ano de 2020, quando foram registrados 1.007 conflitos.

Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgado em 2022, a Bahia tem 229.103 pessoas autodeclaradas indígenas, quase quatro vezes mais do que os 60.120 registrados em 2010. O presidente Rodrigues contou que a OAB-BA tem uma cadeira no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

"Hoje, 70% dos protegidos são de comunidades tradicionais indígenas o que demostra o elevado nível de tensão. No último governo tivemos um discurso contra demarcações de terra, e isso fez com que questionamentos antes feitos por via judicial passassem a ser feitos de forma armada, abrupta. Além disso, tem a demora do processo de demarcação", disse o presidente da comissão da OAB.

O Censo revelou ainda que em 2022 foi encontrada ao menos uma pessoa indígena em 411 dos 417 municípios da Bahia, ou 98,6% do total. Salvador, Porto Seguro e Ilhéus são os municípios baianos com mais representantes. Porém, o número de indígenas assassinados, em 2023, dobrou na comparação com 2022, saindo de três para seis casos

O censo de 2010 também revelou que a Bahia é o estado brasileiro com o maior número absoluto de quilombolas do país. São 397 mil pessoas nessa condição e os municípios com mais registros são Senhor do Bonfim, Salvador, Campo Formoso, Feira de Santana e Vitória da Conquista.

Conflitos

Em fevereiro de 2023, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiram três fazendas de monocultivo de eucalipto em Teixeira de Freitas, Mucuri e Caravelas, no Extremo Sul da Bahia. Também foi ocupada a Fazenda Limoeiro, situada em Jacobina. Houve tensão com os fazendeiros, mas o grupo encerrou a invasão depois que a justiça foi favorável aos fazendeiros.

Em abril, moradores de uma comunidade quilombola de Igarité, no município de Barra, no Oeste da Bahia, precisaram deixar as casas às pressas depois de sofrer um ataque a tiros. Os principais conflitos vividos em remanescentes de quilombos variam conforme a região baiana.

Enquanto na Região Metropolitana de Salvador, as principais pressões vêm da especulação imobiliária, indústrias, exploração ilegal de recursos e turismo, no Oeste, de onde fugiram as famílias, de Igarité, o problema são os chefes dos grandes empreendimentos de agricultura que pressionam, ameaçam e atiraram contra as famílias.

Nesta segunda-feira (22), o MST marcou uma série de manifestações no Brasil para comemorar os 40 anos da entidade, e aproveitou para cobrar a punição pelo assassinato de Nega Pataxó. Dois fazendeiros foram presos até o momento, e a investigação segue em andamento.

Em nota, o Governo do Estado informou que fez uma reunião para discutir o assunto. O CORREIO perguntou se alguma medida ou ação foi ou será adotada a partir desse encontro, mas a Secretaria de Comunicação (Secom) e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi) ainda não se manifestaram.

Visita

A morte da indígena Nega Pataxó e o ataque aos outros integrantes da aldeia teve repercussão nacional. Nesta segunda-feira (22), a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, visitou o território para conversar com as lideranças. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) acompanhou a visita e emitiu uma nota dizendo estar indignada.

"A Fundação Nacional dos Povos Indígenas manifesta seu profundo pesar e indignação diante do assassinato da líder indígena Pataxó Hã Hã Hãe Maria de Fátima Muniz de Andrade, ocorrido durante um violento ataque perpetrado por um grupo autointitulado 'Invasão Zero', na retomada do território Caramuru, município de Potiraguá, no Sul da Bahia", diz a nota.

A instituição lembra que além do homicídio, ocorreram tentativas de homicídio e agressões físicas contra dezenas de indígenas, como o caso de um homem que foi submetido a uma cirurgia de emergência, uma mulher que teve fraturas, e outros pacientes que foram hospitalizados, mas não correm risco de morte.

"A Funai expressa solidariedade aos familiares e ao povo Pataxó Hã-Hãe-Hãe neste momento de luto. Comprometida com a justiça, a Funai acompanha de perto as investigações para que os autores do crime sejam responsabilizados, e a segurança dos povos indígenas Pataxó Hã Hã Hãe seja assegurada", conclui em nota.

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