No mês de novembro celebra-se o dia da Consciência Negra, o prof Dr. Marcos Lopes de Souza fala sobre a relevância deste movimento

28/11/2019

JN - Celebrou-se no dia 20 de novembro a “Consciência Negra”. Qual a definição desta expressão?

 

Marcos Lopes: O dia 20 de novembro é um momento de afirmação identitária negra, do reconhecer-se enquanto negro e negra e de resistência diante do racismo, intolerância religiosa e etnocentrismo que perdura nos dias atuais. Não podemos deixar de falar de consciência negra sem relembrarmos do processo escravocrata, no qual diferentes grupos étnicos do continente africano foram trazidos forçadamente na condição de escravos para os países colonizados pelos povos europeus, como foi o caso do Brasil. Ao longo desses últimos séculos, os negros foram submetidos a diferentes formas de violência, alijados dos seus direitos e mesmo com o suposto fim da escravidão, negros e negras continuam sendo dizimados socialmente, já que eles e elas são a maioria quando se fala em índices de pobreza, de morte violenta, de pessoas em privação de liberdade, de pessoas em trabalho escravo ou sub-remunerados, feminicídios e com menores níveis de escolaridade.

 

JN - Qual a importância desta celebração?

 

Marcos Lopes: A celebração desta data é importante porque a população negra ainda é vista socioculturamente como aqueles e aquelas com uma cultura considerada inferior, atrasada, não civilizada, primitiva, demoníaca, exótica e selvagem. Ao serem subjugados, na maioria das vezes, são colocados em posições sociais e culturais de menor prestígio. Diante disso, nossa intenção é positivar a identidade negra, valorizar os saberes e a cultura africana e afro-brasileira em seus diferentes âmbitos, além de desconstruir os estereótipos associados às mulheres e homens negros. No novembro negro lutamos, dentre outras coisas, pelo empoderamento crespo das mulheres negras e dos homens negros; contra o encarceramento e o extermínio da população negra, sobretudo da periferia; pela continuidade e ampliação das políticas de ações afirmativas para a população negra; contra o feminicídio que atinge, sobretudo, as mulheres negras; pela liberdade dos cultos e expressões das religiões de matriz africana e contra a intolerância religiosa; contra o racismo estrutural e institucional que ainda se manifesta nas diferentes instâncias sociais e contra a exploração do trabalho da população negra.

 

JN - O IBGE 2018 apontou que, pela primeira vez, os negros são a maioria nas universidades públicas brasileiras. Quais os fatores que levaram a este avanço?

 

Marcos Lopes: Desde o início do século XX, o acesso ao ensino superior no Brasil era um privilégio dos homens brancos, de classe alta e da região sudeste e sul do país. Somente a partir do início do século XXI é que se passou a construir políticas de ações afirmativas para a população negra, pois até então, o próprio estado brasileiro não reconhecia o racismo em nosso país ou não reconhecia a importância de políticas de reparação para a comunidade negra. A política de cotas para o ingresso nas universidades brasileiras foi fruto de uma luta histórica do movimento negro e de outros grupos que o apoiaram. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro foi a primeira instituição pública a adotar a política de cotas em 2003. De lá para cá, as universidades passaram a reconhecer a necessidade e a relevância das políticas de ações afirmativas para o ingresso e também para a permanência de negros e negras no ensino superior. Se hoje temos mais negros e negras nas universidades é em virtude dessa vitória do movimento social que pressionou os poderes executivo, legislativo e judiciário e, também, as instituições de ensino superior. No entanto, sabemos por meio de várias pesquisas que muitos negros e muitas negras mesmo ascendendo ao ensino superior, nem sempre conseguem permanecer estudando, em virtude das condições sociais precárias e também das poucas políticas de permanência que atendam especificamente esse grupo. Por isso, devemos continuar exigindo a efetivação dessas políticas.

 

JN - Qual a contribuição da UESB diante deste movimento?

 

Marcos Lopes: Ao longo de 15 anos, nós, do Órgão de Educação e Relações Étnicas (ODEERE), temos desenvolvido uma série de atividades a fim de garantir a implantação de políticas de ações afirmativas para a população negra nas diferentes instâncias sociais. O ODEERE foi fundado em 2005 pela Profa. Dra. Marise de Santana, hoje griô do órgão, e anualmente realiza as seguintes ações: 1) Encontro de Combate à Discriminação Étnica que ocorre no mês de março; 2) Cursos de extensão em temáticas como cultura afro-brasileira; educação quilombola; gênero, raça e diversidade sexual; metodologia da pesquisa em relações étnicas e culturas indígenas realizados ao longo do ano; 3) Projeto Erê- Educação e Culturas Afro-brasileiras para crianças e adolescentes; 4) Projeto 'A tradição do Caruru de Cosme e Damião, Erês, Ibejis e Wunje' que ocorre em setembro e 5) Semana da Educação da Pertença Afro-brasileira que acontece no mês da Consciência Negra. A existência do ODEERE tem fortalecido os espaços de resistência ao preconceito e à discriminação contra a cultura afro-brasileira, tornando visíveis e dando voz aos grupos que durante muito tempo foram invisibilizados e silenciados, como é o caso da população negra.

 

Dr. Marcos Lopes de Souza é professor Titular do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Jequié-BA. Atualmente é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade (PPGREC). Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade da UESB. Desenvolve pesquisas na área de educação na interface com gênero, sexualidade e relações étnicas e raciais e sobre lesbohomobitransfobia e racismo nas escolas.